Contar histórias faz parte da cultura humana. Contamos para nos entreter, nos deixar tranquilos, assustar, lembrar e aprender. Isto acontece pelo menos desde que a história humana começou a ser documentada, e há indícios de que o antigo homo sapiens baseava seus rituais em contos que memorizavam seus antepassados e os preparavam para a caça futura.
A invenção do cinema revolucionou não somente como capturamos imagens e as projetamos em movimento, mas também como contamos histórias. Enquanto a literatura sempre nos deu a possibilidade de ouvir um narrador – ou até mesmo o que um personagem está pensando – e o teatro nos possibilitou presenciar personagens em conflito, o cinema traz ambos. Com a sétima arte, podemos “ver” ou “sentir” os pensamentos dos personagens, mesmo quando estes não falam o que está em sua mente (claro, apenas bons atores conseguem comunicar aquilo que pensam sem usar palavras).
Esta característica do cinema garante a catarse, ou pelo menos a momentânea imersão por parte do espectador, na história de uma terceira pessoa. Em outras palavras, fazemos parte da vida de um personagem e conseguimos ver sua história por meio de seus próprios olhos (especialmente quando a própria câmera nos mostra aquilo que ele vê). Assim, criamos empatia com terceiros e vemos o mundo de maneira diferente.
Agora, em 2018, a tecnologia de realidade virtual se torna mais popular do que nunca, especialmente porque a experiência de ser transportado para um novo mundo se torna mais “realista”. Porém, esta tecnologia pode ser usada tanto para contar a história de terceiros como para voltar a atenção de quem a utiliza para si mesmo.
Diferentemente da literatura e do cinema, o espectador da realidade virtual sempre ocupa o lugar central no enredo ou nos jogos de videogame. Ou seja, sempre presenciamos a trama VR com nossos próprios olhos, não com os olhos de outros personagens. Isto não acontece nem no teatro, onde ao menos ocupamos um lugar específico, porém não central, na plateia. Na realidade virtual, somos o centro do universo.
Isto levou diretores como Steven Spielberg a apontar o perigo da tecnologia para as telonas. Assim, não podemos ver esta nova mídia apenas como um desenvolvimento do cinema, mas como uma tecnologia ainda no começo de seu crescimento e que pode tomar qualquer direção. O perigo apontado por Spielberg se concretiza quando o VR se torna similar às mídias sociais, onde cada um acessa sites em primeira pessoa e sempre a fim de prestar atenção a si mesmo (ou tentar atrair atenção para si).
Mesmo quando alguém se emociona com algum post em alguma mídia social, por exemplo, ele apenas compartilha a publicação ou escreve alguns comentários para expressar o que sente, algo que não se pode comparar com a possibilidade que o cinema dá de se tornar outras pessoas, mesmo que por poucas horas (pessoas reais, em caso de documentários).
Ainda é possível, porém, contar histórias em VR. Embora o fato do espectador poder olhar para qualquer lugar impossibilite a utilização de recursos tradicionais do cinema (como a escolha entre um close-up e um plano geral, ou ainda o próprio enquadramento), outras estratégias, como a iluminação e o som, ainda podem dirigir a atenção de quem a utiliza de modo com que cineastas e artistas de realidade virtual consigam contar histórias e fazer o espectador sentir empatia com outros de modo mais forte.
Filmes como Pearl, de Patrick Osborne, ou ainda NanoEden, de minha autoria, seguem esta vertente e criam histórias para a tecnologia. O futuro será, provavelmente, uma mistura entre projetos de realidade virtual que alimentam o plano central do espectador e projetos que tentam levar o mesmo a sentir o que diferentes personagens sentem por meio de histórias que, de alguma maneira, aumentam a empatia com os outros.